Mc 9, 29-36 – FAZER-SE PEQUENO –
A Bíblia explicada em capítulos e versículos-
O Amanhecer do Evangelho-
Reflexões, Ilustrações, Vídeo e trilha Sonora de
Pe. Lucas de Paula Almeida- CM
XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM -ANO B
FAZER-SE PEQUENO
01. Oração do dia
Ó Pai, que resumistes toda a lei no amor a Deus e ao próximo, fazei que, observando o vosso mandamento, consigamos chegar um dia à vida eterna. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
02. Evangelho (Marcos 9,30-37)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos.
9 30 Tendo partido dali, Jesus e seus discípulos atravessaram a Galiléia. Não queria, porém, que ninguém o soubesse.
31 E ensinava os seus discípulos: “O Filho do homem será entregue nas mãos dos homens, e matá-lo-ão; e ressuscitará três dias depois de sua morte”.
32 Mas não entendiam estas palavras; e tinham medo de lho perguntar.
33 Em seguida, voltaram para Cafarnaum. Quando já estava em casa, Jesus perguntou-lhes: “De que faláveis pelo caminho?”
34 Mas eles calaram-se, porque pelo caminho haviam discutido entre si qual deles seria o maior.
35 Sentando-se, chamou os Doze e disse-lhes: “Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos”.
36 E tomando um menino, colocou-o no meio deles; abraçou-o e disse-lhes:
37 “Todo o que recebe um destes meninos em meu nome, a mim é que recebe; e todo o que recebe a mim, não me recebe, mas aquele que me enviou”.
Palavra da Salvação.
03. Momento de reflexão – A Bíblia explicada em capítulos e versículos-
E impressionante a longa e árdua paciência que Jesus teve de empregar para formar seus doze apóstolos e torná-los aptos para serem os mensageiros que iam ser para implantar o Evangelho no mundo. Não só a notícia do Evangelho, mas sobretudo o seu espírito. Eles eram homens muito simples e rudes. E isso não era um mal, pois era o bom terreno da humildade, que oferecia a base para, se erguer o edifício da santidade. O pior era que tinham grosseiros ciúmes e ambições a respeito dos lugares que iriam ocupar no Reino que Jesus anunciava. Aliás desse Reino tinham idéias muito confusas. Um dia a mãe de João e Tiago pediu ao Mestre que Ihes desse um lugar de honra no seu reino, fazendo-os sentar um à sua direita e outro à sua esquerda. Traduzindo isso em termos de hoje, queria mais ou menos que um fosse o ministro da justiça e outro o ministro da economia.Essas preocupações e discussões sobre lugar no reino aparecem muitas vezes entre eles. Até na última ceia aparece ainda o problema, quando Jesus Ihes dá uma belíssima lição doutrinal ( Lc 22, 25-27), acompanhada da sublime lição prática, que foi a de lavar-lhes os pés: “Ele o Mestre e Senhor” (Jo 13,4-20). Pois bem, certa vez que Jesus atravessava a Galiléia, numa viagem muito discreta, já a caminho de Jerusalém, abriu-lhes mais uma vez o coração para falar-lhes de sua paixão que se aproximava: “O Filho do homem será entregue nas mãos dos homens, e lhe darão a morte, e, depois de morto, ressuscitará ao terceiro dia” (Mc 9, 31 ).
Eles, porém, não queriam entender dessas coisas. E discutiam entre si pelo caminho. Quando chegaram a Cafarnaum, Jesus lhes perguntou sobre que discutiam pelo caminho. Emudeceram diante da grandeza de Jesus. Como iria ter coragem de lhe declarar o assunto sobre o qual tinham discutido?
Jesus os toma à parte e lhes dá uma rica lição de espírito de humildade e de serviço, que ilumina para sempre os caminhos dos seguidores do Evangelho: ” Aquele que quiser ser o primeiro, seja o último e o servidor de todos” (Mc 9, 35). E completou com um gesto simbólico – uma parábola em ação: Tomou uma criança, colocou-a no meio da roda, e disse: “Quem receber a um destes pequeninos em meu nome, é a mim que recebe; e quem recebe a mim, não é a mim que recebe, mas àquele que me enviou” (v v 36 e 37). E bom lembrar que, mesmo que não se tratasse de uma criança desvalida – o que não era improvável – no mundo de Israel não se dava nenhuma atenção às crianças. Estavam longe da atenção que em nosso século XX se dá a elas. Elas eram naquele tempo – como alguém comentou numa comparação muito caseira – pouco mais que a criação que crescia no quintal.
Aí está a filosofia do Evangelho. Não procurar os primeiros lugares,não alimentar a ambição do prestígio, do dinheiro, da fama, da dominação dos outros. E pôr-se a serviço de todos, sobretudo dos mais pequeninos. Bem diferente dessa sociedade em que vivemos mergulhados! Mal se encontra alguém que, ao escolher uma profissão, esteja pensando em servir à comunidade.
A lei que impera é a ambição do dinheiro, dos cargos honrosos, do prestígio e do fazer carreira. Dificilmente se encontrará um político que, ao disputar eleições, tenha em mira o bem público, o serviço do país. O que se encontra é quase sempre o jogo das ambições em benefício pessoal. Donde nascem com freqüência as eleições maculadas pelo peso do dinheiro. Tudo isso está infinitamente longe do Evangelho!
É preciso olhar o exemplo de nosso divino Salvador, que fundou a Igreja com sua palavra e com seu sangue. Ele, que era Deus verdadeiro, não se apegou ciosamente a sua dignidade divina. Esvaziou-se de sua grandeza, e se fez servo, obediente até à morte. E pôde deixar para nós sua grande lição da noite da última ceia. Depois de lavar humildemente os pés a seus apóstolos, disse-Ihes: “Eu vos dei o exemplo, para que, assim como eu fiz, vós também façais” (Jo 13, 15).
Mesmo fora do cristianismo, os que são sábios descobrem o valor do serviço. Como disse elegantemente o poeta hindu Tagore: “Dormi e sonhei que a vida era alegria. Acordei e vi que a vida era serviço. Servi’ e descobri que o serviço era alegria”.
LEITURAS do XXV Domingo do Tempo Comum – Ano B :
1a – Sb2, 17-20.
2ª – Tg 3, 16-4, 3.
3a- Mc 9, 29-36.
ABRIR OS OLHOS PARA VER
O texto de Evangelho que vamos meditar hoje traz uma grande incoerência da parte dos discípulos de Jesus. Enquanto Jesus anunciava a sua paixão e morte, os discípulos discutiam entre si quem deles era o maior. Jesus queria servir, eles só pensavam em mandar! A ambição os levava a querer subir às custas de Jesus. Vamos conversar sobre isto.
SITUANDO
Esta reflexão traz o segundo anúncio da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Como no primeiro anúncio – Mc 8,27-38 -, os discípulos ficam espantados e com medo. Não entendem a palavra sobre a cruz, porque não são capazes de entender nem de aceitar um Messias que se faz empregado e servidor dos irmãos. Eles continuam sonhando com um messias glorioso. O texto ajuda a perceber algo da pedagogia de Jesus. Mostra como ele formava os discípulos, como os ajudava a perceber e a superar o “fermento dos fariseus e de Herodes”.
Tanto na época de Jesus como na época de Marcos, havia o fermento da ideologia dominante. Também hoje, a ideologia das propagandas do comércio, do consumismo, das novelas influi profundamente no modo de pensar e de agir do povo. Na época de Marcos, nem sempre as comunidades eram capazes de manter uma atitude crítica frente à invasão da ideologia do império. A atitude de Jesus com relação aos apóstolos, descrita no evangelho, as ajudava e continua ajudando a nós hoje.
COMENTANDO
Marcos 9,30-32: O anúncio da cruz
Jesus caminha através da Galileia, mas não quer que o povo o saiba, pois está ocupado com a formação dos discípulos e discípulas e conversa com eles sobre a cruz. Ele diz que, conforme a profecia de Isaías – Is 53,1-10 -, o Filho do Homem deve ser entregue e morto. Isto mostra como Jesus se orientava pela Bíblia, na formação aos discípulos. Ele tirava o seu ensinamento das profecias. Os discípulos o escutam, mas não entendem a palavra sobre a cruz. Mesmo assim, não pedem esclarecimento. Eles têm medo de deixar transparecer sua ignorância.
Marcos 9,33-34: A mentalidade de competição
Chegando em casa, Jesus pergunta: Sobre que vocês estavam discutindo no caminho? Eles não respondem. É o silêncio de quem se sente culpado, pois pelo caminho discutiam sobre quem deles era o maior. Jesus é bom formador. Não intervém logo, mas sabe aguardar o momento oportuno para combater a influência da ideologia dos seus formandos. A mentalidade de competição e de prestígio que caracteriza a sociedade do Império Romano já se infiltrava na pequena comunidade que estava apenas começando! Aqui aparece o contraste! Enquanto Jesus se preocupa em ser o Messias Servidor, eles só pensam em ser o maior. Jesus procura descer. Eles querem subir!
Marcos 9, 35-37: Servir, em vez de mandar
A resposta de Jesus é um resumo do testemunho de vida que ele mesmo vinha dando desde o começo: Quem quer ser o primeiro seja o último de todos, o servidor de todos! Pois o último não ganha nada. É um servo inútil (cf. Lc 17,10). O poder deve ser usado não para subir e dominar, mas para descer e servir. Este é o ponto em que Jesus mais insistiu e em que mais deu o seu próprio testemunho (cf. Mc 10,45; Mt 20,28; Jo 13,1-16).
Em seguida, Jesus coloca uma criança no meio deles. Uma pessoa que só pensa em subir e dominar não daria tão grande atenção aos pequenos e às crianças. Mas Jesus inverte tudo! Ele diz: “Quem receber uma destas crianças em meu nome é a mim que recebe. Quem receber a mim recebe aquele que me enviou! Ele se identifica com as crianças. Quem acolhe os pequenos em nome de Jesus acolhe o próprio Deus!
ALARGANDO
Um retrato de Jesus como formador
“Seguir” era um termo que fazia parte do sistema da época. Era usado para indicar o relacionamento entre o discípulo e o mestre. O relacionamento mestre-discípulo é diferente do relacionamento professor-aluno. Os alunos assistem às aulas do professor sobre uma determinada matéria. Os discípulos “seguem” o mestre e convivem com ele. Foi nesta “convivência” de três anos com Jesus que os discípulos e as discípulas receberam a sua formação.
Não é pelo fato de uma pessoa andar com Jesus que ela já é santa e renovada. No meio dos discípulos, cada vez de novo, a mentalidade antiga levantava a cabeça, pois o “fermento de Herodes e dos fariseus” – Mc 8,15 -, isto é, a ideologia dominante, tinha raízes profundas na vida daquele povo. A conversão que Jesus pede quer atingir a raiz e erradicar o “fermento”. Já vimos como Jesus combatia a mentalidade antigo de competição e de prestígio – Mc 9,33-37 e a mentalidade fechada de quem se considera dono de tudo – Mc 9,38-40. Eis alguns outros casos desta ajuda fraterna de Jesus aos discípulos.
- Mentalidade de grupo que se considera superior aos outros. Certa vez, os samaritanos não queriam dar hospedagem a Jesus. Reação dos discípulos: “Que um fogo do céu acabe com esse povo” (Lc 9,54). Achavam que, pelo fato de estarem com Jesus, todos deviam acolhê-los. Pensavam ter Deus do seu lado para defendê-los. Era a mentalidade antiga de “Povo eleito, Povo privilegiado!” Jesus os repreende: ”Vocês não sabem de que espírito estão sendo animados” (Lc 9,55).
- Mentalidade de quem marginaliza o pequeno. Os discípulos afastavam as crianças. Era a mentalidade da cultura da época em que criança não contava e devia ser disciplinada pelos adultos. Jesus os repreende: ”Deixem vir a mim as crianças!” (Mc 10,14). Ele coloca a criança com professora de adulto: “Quem não receber o Reino como uma criança não pode entrar nele” (Lc 18,17).
- Mentalidade de quem pensa conforme a opinião de todo mundo. Certo dia, vendo um cego, os discípulos perguntaram: ”Quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?” (Jo 9,2). Como hoje, o poder da opinião pública era muito forte. Fazia todo o mundo pensar de acordo com a cultura dominante. Enquanto se pensa assim não é possível perceber todo o alcance da Boa Nova do Reino. Jesus os ajuda a ter uma visão mais crítica: ”Nem ele, nem os pais dele” (Jo 9,3). A resposta de Jesus supõe uma leitura diferente da realidade.
Jesus, o Mestre, é o eixo, o centro e o modelo da formação. Pelas suas atitudes, ele é uma amostra do Reino, encarno o amor de Deus e o revela (Mc 6,31; Mt 10,30; Lc 15,11-32). Muitos pequenos gestos refletem este testemunho de vida com que Jesus marcava presença na vida dos discípulos e das discípulas, preparando-os para a vida e a missão. Era a sua maneira de dar forma humana a experiência que ele mesmo tinha de Deus como Pai:
- Envolve-os na missão – Mc 6,7; Lc 9,1-2; 10,1.
- Na volta, faz revisão com eles – Lc 10,17-20.
- Corrige-os quando erram e querem ser os primeiros – Mc 9,33-35; 10,14-15.
- Aguarda o momento oportuno para corrigir – Lc 9,46-48; Mc 10,14-15.
- Ajuda-os a discernir – Mc 9,28-29.
- Interpela-os quando são lentos – Mc 4,13; 8,14-21.
- Prepara-os para o conflito – Jo 16,33; Mt 10,17-25.
- Manda observar a realidade – Mc 8,27-29; Jo 4,35; Mt 16,1-3.
- Reflete com eles sobre as questões do momento – Lc 13,1-5.
- Confronta-os com as necessidades do povo – Jo 6,5.
- Ensina que as necessidades do povo estão acima das prescrições rituais – Mt 12,7.12.
- Tem momentos a sós para poder instrui-los – Mc 4,34; 7,17; 9,30-31; 10,10; 13,3.
- Sabe escutar, mesmo quando o diálogo é difícil – Jo 4,7-42.
- Ajuda-os a aceitar a si mesmos – Lc 22,32.
- É exigente e pede para deixar tudo por amor a ele – Mc 10,17-31.
- É severo com a hipocrisia – Lc 11,37-53.
- Faz mais perguntas que dá respostas – Mc 8,17-21.
- É firme e não se deixa desviar do caminho – Mc 8,33; Lc 9,54.
- Prepara-os para o conflito e a perseguição – Mt 10,16-25
Este é um retrato de Jesus como formador. A formação do “seguimento de Jesus” não era, em primeiro lugar, a transmissão de verdades a serem decoradas, mas sim a comunicação da nova experiência de Deus e da vida que irradiava de Jesus para os discípulos e discípulas. A própria comunidade que se formava ao redor de Jesus era a expressão desta nova experiência. A formação levava as pessoas a terem outros olhos, outras atitudes. Fazia nascer nelas uma nova consciência a respeito da missão e a respeito de si mesmas. Fazia com que fossem colocando os pés do lado dos excluídos. Produzia, aos poucos, a “conversão” como consequência da aceitação da Boa Nova (Mc 1,15).