Jo 3, 14 21 – Deus enviou o seu Filho ao mundo para que o mundo seja salvo por ele
A Bíblia explicada em capítulos e versículos

– O Amanhecer do Evangelho

– Reflexões e ilustraçoes de Pe. Lucas de Paula Almeida, CM

– V Domingo da Quaresma

  1. ORAÇÃO
    Ó Deus, que por vosso Filho realizais de modo admirável a reconciliação do gênero humano, concedei ao povo cristão correr ao encontro das festas que se aproximam cheio de fervor e exultando de fé. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
  2. EVANGELHO João 3,14-21
    Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João.Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: 3 14 “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve ser levantado o Filho do Homem,
    15 para que todo homem que nele crer tenha a vida eterna.
    16 Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.
    17 Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele.
    18 Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado; por que não crê no nome do Filho único de Deus.
    19 Ora, este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, pois as suas obras eram más.
    20 Porquanto todo aquele que faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas.
    21 Mas aquele que pratica a verdade, vem para a luz. Torna-se assim claro que as suas obras são feitas em Deus”.
    Palavra da Salvação.
  3. MOMENTO DE REFLEXÃO – A BÍBLIA EXPLICADA EM CAPÍTULOS E VERSÍCULOS João 3,14-21 traz uma bonita e, ao mesmo tempo, controversa frase: Deus amou o mundo de tal maneira que entregou seu Filho único para que todo aquele que crê não pereça, mas tenha a vida eterna (João 3,16). Tamanho foi o amor de Deus que nos deu seu único filho! Mas, por que o mesmo Deus que proibiu o sacrifício de Isaac (Gênesis 22) entregaria seu próprio filho? Queria o Pai que seu Filho fosse morto por nós? Se não queria, por que permitiu isso? Era necessário que o Filho do Homem fosse levantado no madeiro (João 3,14)?Sabemos que o quarto evangelho teve sua redação já no final do primeiro século, momento em que muita gente vinha entregando a vida pela causa do Evangelho, no serviço aos pobres, na partilha dos bens e até mesmo no enfrentamento com o Império Romano, por meio do martírio. Por outro lado, não era pequeno o grupo dos gnósticos que contestava essa postura: para seguir Jesus bastava buscar a “iluminação”, abrir-se ao conhecimento, à gnose. Para quem assim pensava, o logos era luz a ser atingida pelo esforço do intelecto, não pela prática concreta. Corrigindo esta distorção, o quarto evangelho afirma já em seu prólogo: o verbo, a luz verdadeira, fez-se carne, gente de fato, viveu acampado no nosso meio! (João 1, 9.14).Procurando Jesus às escondidas.

    De acordo com as narrativas joaninas, havia um grupo de pessoas simpáticas ao projeto de Jesus, mas com dificuldades de assumir publicamente essa postura. Tais pessoas sempre procuravam Jesus às escondidas (João 3,2) e por isso a tradição os apelidou de cripto-cristãos, isto é, cristãos secretos, escondidos. Nicodemos fazia parte desse grupo. Foi modelo para muitos que, à época da redação do evangelho, não podiam ou não queriam assumir publicamente sua fé em Jesus. Pessoa influente entre os judeus, Nicodemos era fariseu e membro do Sinédrio (João 3,1). Mais tarde, até tentou evitar a condenação de Jesus no Sinédrio (João 7,50). Na versão do quarto evangelho, também foi ele quem trouxe os perfumes para a preparação do corpo do Mestre (João 19,39). Mas teve dificuldades de assumir publicamente seu compromisso com o Reino. Parece ser uma boa pessoa, mas tem medo de assumir publicamente o projeto de Jesus. Sua postura é o contrário da atitude da Samaritana, que se encontra com Jesus à luz do dia (João 4,6). Ironicamente, o nome Nicodemos significa vitória (nikos) do povo (demo).Jesus há havia dito a Nicodemos que era preciso “nascer do alto” (João 3,3). Num jogo de palavras, era como “nascer de novo”. Nicodemos não entendeu que Jesus esperava um renascer da água e do Espírito (João 3,5).

    A conversa entre os dois segue em forma de poema, no qual se misturam as palavras de Jesus com as de quem escreveu o evangelho. E se Nicodemos tem dificuldade de procurar Jesus durante o dia, de ser testemunho aberto da luz (João 1,7), Jesus será elevado, para que seja visto por todo o mundo, para que o mundo seja salvo por ele.Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto… (3,14-15)De acordo com a narrativa joanina, Jesus recorre ao livro dos Números para falar de sua morte na cruz. Lá no deserto, quando o povo começa a ser picado por cobras venenosas, Moisés faz uma serpente de bronze e a coloca numa haste, numa madeira. Quando alguém fosse picado, se contemplasse a serpente, ficaria curado (Números 21,4-9). É muito possível que por trás da narrativa de Números 21 esteja o culto a uma antiga divindade, Neuestã ou Noestã, a serpente de bronze. O povo deve ter cultuado essa divindade até mesmo no templo de Jerusalém, oferecendo incenso a ela (cf. 2 Reis 18,4). A forma com que o texto nos é apresentado, entretanto, numa narrativa mais tardia, quer deixar claro que Moisés fez isso “por ordem de Javé”, o único e verdadeiro Deus. De qualquer forma, o mais importante é a comparação apresentada: “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado”. Aqui o texto explica melhor o que significa a expressão “nascer do alto”. Ao ser levantado, colocado no alto da cruz, o Filho do homem torna-se visível a quem o queira contemplar. Na cruz, ele nasce do alto. Mas contemplar Jesus no alto significa duas coisas: por um lado, reconhecer que sua missão requer fidelidade ao projeto do Pai, em favor da humanidade; por outro, admitir que essa forma de ser elevado, “subir ao trono”, foi o que nos trouxe a libertação definitiva. Acreditando nisso, temos vida eterna.Deus amou tanto o mundo… (3,16)

    O termo mundo (kósmos) é utilizado pelo quarto evangelho para designar tudo o que se opõe ao Reino, ao projeto de Jesus. Por isso, diante de Pilatos, Jesus afirma categoricamente: O meu reino não é deste mundo (João 19,26). Uma tradução possível e até melhor para esta frase seria: Meu reino não é conforme – de acordo com – este mundo! O mundo de Pilatos era o mundo do império romano: ocupação militar, corrupção, exploração dos pobres, violência contra as mulheres e as crianças. Jesus denuncia publicamente essa farsa, por isso é levantado no madeiro (João 3,14). O império o condena. É elevado ao trono, mas sua glória é a cruz.

    Entretanto, mesmo denunciando esse mundo e por ele condenado, Jesus não quer a condenação do mundo. Deus enviou Jesus não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele (João 3,17). E da mesma forma que foi enviado, Jesus faz questão de afirmar que ao mundo também enviou seus discípulos (João 17,18).

    A condenação e o assassinato de Jesus são atitudes e escolha do “mundo” e não o desejo de Deus. Temos que assumir que é nossa a culpa pela morte de tanta gente inocente. Não nos serve a atitude de Pilatos que, mesmo reconhecendo a inocência de Jesus, é conivente e autoriza a sua morte (João 19,6.16). Entretanto, a comunidade joanina, ao refazer a releitura de Gênesis 22 (a preservação da vida, o não-sacrifício de Isaac), quer ressaltar o quanto Deus ama esse mundo e como deseja a conversão e a mudança de comportamento.

    Quem não crer, já está condenado… (3,17-21)

    O Evangelho segundo João parece cair em contradição. No conjunto, insiste na salvação do mundo. Aqui, porém, explicita a condenação: a luz veio ao mundo, mas muitos dos seres humanos preferiram as trevas (João 3,19); o mundo não o reconheceu (João 1,10). Quem não crer, de antemão já está condenado (João 3,18). Uma tradução melhor seria “julgado” (em grego, kríno). O acréscimo de Marcos modificou o texto e o verbo: além de crer, é preciso ser batizado (Mc 16,16). Quem não crer será condenado (Marcos usa outro verbo – katakríno, mais ligado a “dar a sentença”).

    Há quem prefira interpretar que a fé em Jesus é condição para a salvação. Estariam condenadas as pessoas que não acreditam e não aceitam a luz. É até possível que seja essa a intenção dos redatores, tamanha era perseguição do mundo sobre as comunidades à época da redação do texto. Entretanto, duas perguntas são muito importantes: Quem condena? E condena a quê?

    Com certeza, quem nos condena não é Deus. Tamanho é o seu amor por nós que nos enviou seu próprio Filho! Nós mesmos/as fazemos a escolha, a opção é nossa. Estamos “no mundo”, mas podemos deixar de viver “conforme o mundo” (cf. Romanos 12,2).

    Mas a que nós podemos nos condenar? Condena-se a si mesmo quem decide pelo projeto do “mundo”. Neste sentido, “crer” é aderir, aceitar, entregar-se, integrar-se no outro projeto, o do Reino.

    Não é bom que corramos o risco de nos condenar à tristeza e à frustração de quem não consegue crer que Deus nos ama e que “outro mundo é possível”. Não podemos nos condenar ao individualismo e ao isolamento apregoados pela sociedade moderna. O caminho é a solidariedade, a partilha e o compromisso com quem sofre injustiças. Não fazer essa escolha é ficar na indecisão de Nicodemos. E então nos sobraria a “opção” de nos consolar comprando flores e perfume para o túmulo, como fez esse líder dos judeus (João 19,38-42).

Salmo Responsorial 136/137

Que se prenda a minha língua ao céu da boca
se de ti, Jerusalém, eu me esquecer!
Junto aos rios da Babilônia
nos sentávamos chorando,
com saudades de Sião.
Nos salgueiros por ali
penduramos nossas harpas.

Pois foi lá que os opressores
nos pediram nossos cânticos;
nossos guardas exigiam
alegria na tristeza:
“Cantai hoje para nós
algum canto de Sião!”

Como havemos de cantar
os cantares do Senhor
numa terra estrangeira?
Se de ti, Jerusalém,
algum dia eu me esquecer,
que resseque a minha mão!

Que se cole a minha língua
e se prenda ao céu da boca
se de ti não me lembrar!
Se não for Jerusalém
minha grande alegria!

 

Jo 12, 20-33 – Queremos ver Jesus –

A Bíblia explicada em capítulos e versículos –

O Amanhecer do Evangelho =

Reflexões e ilustraçoes de Pe. Lucas de Paula Almeida, CM –

V Domingo da Quaresma –

          O evangelho deste quinto domingo da Quaresma nos fala de um grupo de gregos – judeus de nacionalidade grega ou que viviam segundo os costumes gregos – que se aproximaram dos apóstolos e disseram a Felipe que “queriam ver Jesus” (Jo 12, 21). Felipe pediu a companhia de André e foram os dois ter com o Mestre, manifestando o desejo daqueles homens. A resposta de Jesus, que se dirige não só a eles, mas a todo o povo que estava em redor, é uma bela manifestação da teologia da universalidade dos frutos da Paixão.

O trecho participa dessa densidade de ensinamentos que a liturgia nos está oferecendo – tirados sempre do evangelho de São João – em preparação para a Semana Santa e a Páscoa. Dir-se-ia que a Igreja nos inculca a necessidade de termos p mesmo desejo que tinham aqueles homens que procuraram o Mestre: ver Jesus, isto é, conhecê-Io, ouvir seus ensinamentos, acolher sua mensagem de conversão e de fé.

O trecho é belíssimo, e oferece alimento espiritual para uma frutuosa meditação. Aqui, no entanto, vamos contentar-nos com as duas afirmações mais solenes.  A primeira é a que diz: “Se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, ficará sozinho; mas, se morrer, produzirá muito fruto” (lbid 24). Está aí toda uma importante lição sobre o valor da renúncia e da mortificação. A vida dos egoístas é uma vida estéril! Só quem sabe sacrificar-se é capaz de fazer grandes coisas. Mas o que Jesus está dizendo, nessa pequena parábola de tão encantadora beleza, é principalmente o anúncio de sua morte e ressurreição. E ele esse divino grão de trigo, que vai cair no solo da morte, mas vai ressuscitar e dar vida a um infinito número de fiéis. A terra se vai transformar num imenso trigal – a seara da fé – a perder de vista, tudo brotado do sacrifício daquele que no Calvário deu sua vida para a salvação do mundo.

A segunda grande afirmação, que podemos dizer que confirma a primeira, é quando Jesus diz: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim”. “E Ele estava falando – comenta o Evangelista – de que tipo de morte iria morrer” (lbid., 32-33). Do alto da cruz, erguido perante o mundo e a História, Ele faz sua convocação universal. Seus braços não estão abertos apenas porque os cravos os prendem ao patíbulo. Eles querem fazer o gesto de um grande convite. Judeus e gregos podem agora sentir o calor de seu convite e entender o valor da graça da Redenção: “Eles verão – cabe aqui a palavra de Zacarias – aquele a quem transpassaram” (Zc 13, 10).

E agradável pensar que em qualquer ponto da terra em que se erga a imagem do Crucificado, aí está sendo repetido o convite de Jesus. Não podemos negar que há um empenho de marcar o mundo com esse sinal sagrado da Redenção. Não só nos pináculos das igrejas, nas salas dos tribunais e das escolas, no recinto dos lares cristãos e sobre os túmulos dos que adormeceram marcados com o sinal da fé; mas também em lugares típicos da paisagem, como certas alturas dos Alpes e dos Andes. Como há também o louvável costume de trazer sobre o peito uma pequena imagem da cruz. Que não se reduza apenas ao sentido de um adereço, sobretudo quando é de matéria preciosa… Deveria ser sempre um apelo silencioso a relembrar o grande mistério do sacrifício de Cristo. E então teríamos aquele pequeno grupo de gregos, que Felipe e André apresentaram a Jesus, multiplicado em multidões de jovens, velhos e crianças de todo o mundo, que caminham para “ver Jesus” .

E o Divino Salvador está sempre aí para que nos encontre¬mos com Ele. Na sua palavra pregada em toda a terra. No culto celebrado em todas as Igrejas da cidade e do campo. Sobretudo na missa, celebrada “desde o nascer até o pôr-do-sol” ( M11, 11 ).
Como, aliás, podemos encontrar-nos com Ele no exemplo humilde e sincero do cristão que viver a sua fé.

Leituras do V domingo da Quaresma – Ano B:
1º – Jr 31. 31-34.
2º – HB 6. 7-9.
3º – Jo 12. 20-33